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Onde estão os heróis?

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Em um mundo em que Michael Cera encerra em seus personagens todo o zeitgeist de uma geração, por onde andam os heróis que sabiam como agir diante de uma situação? Sinto que não tenho nada a acrescentar a esse texto do Devin do Bad Ass Digest, escrito sem mimimi, e com muito conteúdo novo pra fazer com que nós, criadores de personagens, pensemos bastante no que estamos fazendo. O original, em inglês, está aqui.

Traduzi em português, mas recomendo a leitura em inglês porque eu sou assim, traduzo do meu jeito e mudo até referência bíblica pra outra que prefiro mais (hehe):

“Nós tínhamos heróis. Houve um tempo em que tínhamos personagens de filmes que eram fortes e precisos, que entravam e saíam da história com essas qualidades intactas. Esses heróis tinham códigos morais, que eram testados pelas circunstâncias, mas que nunca se perdiam. Esses heróis eram personagens feitos para nos inspirar. Eram eles que nós queríamos ser quando crescer.

Nós tínhamos heróis. Agora temos personagens cheios de pontos fracos, que andam pelo perigo de um jeito patético (The Lone Ranger), personagens que estão “começando” e por isso ainda não sacaram como ser verdadeiros super heróis (Man of Steel), personagens que são tão imaturos e babacas que você chega a torcer contra eles (Star Trek Into Darkness). Não acho que seja mera coincidência que 3 dos maiores filmes hoje em cartaz sejam releituras de antigos personagens, mas uma releitura que destrói a figura original.

Parece a ressaca dos anos 70, quando alguns heróis foram desconstruídos por grandes cineastas. Estes estavam reagindo a uma Hollywood que tinha pegado heróis inspiradores e transformado cada um deles em seres travados, quase robozinhos que podiam ser plugados em qualquer filme. Eles estavam reagindo a um mundo que tinha ficado louco ao seu redor, um mundo onde não se via lugar para heróis. Eles arrastaram a violência justa dos heróis ocidentais para a violência caótica do Vietnã. E aplicaram as lições de moral do fim dos anos 60 aos gêneros que estavam congelados no tempo.

Uma década depois, foram os super-heróis que entraram no jogo da desconstrução.  Alan Moore quase resolveu a parada sozinho, primeiro com seu Miracleman e depois com Watchmen. Assim como a dos cineastas dos anos 70, a missão de Moore era examinar personagens que já eram parte de nosso subconsciente, e fazer com que a gente questionasse temas como o Super Homem – um ser mítico todo poderoso fazendo sua própria justiça – temas com os quais estávamos estranhamente confortáveis.

Só que os novos filmes de heróis não seguem esta tradição. O Lone Ranger do Gore Verbinksi não examina o significado ou o papel da vigilância na sociedade. O Star Trek do J.J. Abrams não questiona de verdade a diplomacia armada ou essa ideia de governo continuar existindo no nosso futuro. E Man of Steel está tão ocupado criando um novo Super Homem descolado que não sobra tempo pra sequer nos lembrarmos do Super Homem original. O que eles emprestaram da onda de desconstrução do passado foi o desejo de tirar as coisas da frente e chegar ao centro do personagem. Mas em vez de criar essas situações para iluminar nossas mentes, esses filmes as criam pela pior razão possível: fazer com que as pessoas se identifiquem com o personagem.

Criar personagens identificáveis parece uma boa ideia, e em vários níveis até o é. Mas o problema com esses 3 personagens que estão no cinema nessa estação – O Cavaleiro Solitário, Super Homem e Capitão Kirk – é que eles não foram criados para que a gente se identificasse com eles, pra começo de conversa. Eles eram personagens construídos para se tornar ícones, para serem admirados. Dois destes personagens foram claramente criados para se tornar modelos para as crianças, o tipo de gente em quem seus filhos poderiam se inspirar. Força, honra, integridade, bondade – esses eram os traços principais do Super Homem e do Cavaleiro Solitário, não dúvida, rabugice, babaquice ou miopia. O Capitão Kirk já era um personagem mais humano, mas ainda assim era um ícone legal para um certo tipo de homem. Você chegaria numa mulher em um bar usando Kirk como seu guia – você não sentaria num bar chorando, usando como exemplo aquela vez em que Kirk fez isso porque estava todo magoadinho.

Por que isso continua acontecendo? Acho que é um pouco por culpa da preguiça da indústria do cinema; a ideia de que o Super Homem é um personagem bobo é repetida tão frequentemente que já foi aceita como fato.  Levar a sério um bom moço quadrado e certinho é muito mais difícil que tirar um sarro dele e esvaziar sua personalidade. Me pergunto se esse movimento não é uma consequência do zeitgeist anti-elite que nos assaltou; enquanto nos anos 50 os heróis eram cientistas e experts, hoje eles são manés que caíram em uma situação sem querer ou sem ter um mínimo conhecimento de causa. O novo Cavaleiro Solitário é um advogado sem espaço com um revólver na mão, o novo Super Homem é um cara que passa a vida escondendo o que ele tem de melhor e o novo Kirk é um punk sem noção que demora dois filmes para chegar em uma profundidade de personagem que continua rasa. Nós vivemos a Era do Amador, quando pessoas sem conhecimento de causa se sentem no direito de gritar sobre o aquecimento global, e esse tipo de atitude é o que elas querem ver nos seus heróis. Elas não querem ir ao cinema, engolir um refrigerante gigante e uma pipoca com manteiga extra, e ser lembradas de que podem fazer melhor. Elas querem ter certeza de que, se a oportunidade surgir, elas vão se dar bem, igualzinho o Super Homem.

Existe espaço para heróis identificáveis. A Marvel construiu sua fama com personagens que as crianças conseguiam entender, evitando cair no estereótipo dos heróis inquebráveis da DC. É por isso que é tão estranho ver que um dos heróis mais heróis que passou pelo cinema ultimamente tenha sido um personagem da Marvel. Capitão América: The First Avenger apresenta um herói que tem a mesma força e disciplina moral como Steve Rogers que ele tem como o Capitão América. Ele é um bom moço desde o início do filme, e o roteiro não conta como ele teve que encontrar a si mesmo ou descobrir seu heroísmo ou ser lapidado – o roteiro conta a história de um cara que usou suas próprias qualidades e se manteve firme e fez a coisa certa.

Isso é poderoso. É especialmente poderoso hoje, em um mundo onde as escalas de cinza morais fazem as escalas de cinza dos anos 60 parecerem completamente preto e brancas. Nós já vemos heróis com pontos fracos demais na vida real. Não precisamos mais que nossos heróis sejam nivelados à nossa realidade. Não precisamos de heróis que nos façam sentir mais seguros em relação a nossas falhas. Precisamos de heróis que se mantenham de pé e abram caminho, heróis que nos inspirem a ser pessoas melhores. Precisamos de heróis que já passaram pela ponte e que nos chamem para se juntar a eles. Eles podem ter seu momento Éden ou Monte das Oliveiras, eles podem ser testados e colocados sob pressão, mas precisam ser melhores do que nós. Nossos heróis já passaram tempo suficiente na lama com a gente. Nós precisamos  levantar nossas cabeças, mirar os olhos no sol e segui-los até a grandeza.”

Obrigada Julio, meu amor, por me mandar esse texto, obrigada James pela ajuda na tradução – e Carol, dedico esse texto pra você. 🙂

2 Comments

  • Carol Guilen
    Posted 1 de julho de 2013 at 14:14

    Puxa, dedicado pra mim?! Que honra! 🙂 É verdade, há tanto tempo não tenho mais heróis em que mirar… sinto saudades de quando imaginava uma távola redonda onde sentavam-se os três mosqueteiros, o detetive Poirot, o Capitão Háteras e outros para me ajudar a sair de problemas 🙂

  • mariluciaguilen
    Posted 8 de julho de 2013 at 00:35

    Os tres mosqueteiros. Ah, eles. Mágicos prá mim até hoje. Danem-se os heróis de meia tigela. Gíria do meu tempo he he

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