Quando você vê minhas fotos no instagram ou quando ouve falar “estou nesse castelo no meio de vinhedos da região de Bordeaux para terminar meu livro e está sol, e está um céu azul maravilhoso e hoje depois do almoço fui dar uma volta a pé para reconhecer a região e tirei fotos lindas, depois de passar a manhã escrevendo enquanto o meu marido ilustrava, ouvindo jazz com a luz do sol vazando pelas janelas”, o que pensa?
Não sei se é coisa da humanidade em geral, mas sei falar por mim, que eu sou uma eterna embevecida com as histórias dos outros. Acho que eu sou imaginativa demais e sempre não só imagino a grama do vizinho mais verde, mas também florida e com Noviças Rebeldes cantando nela. O fato é que quando via as fotos ou conversava com pessoas que fizeram uma viagem parecida com essa nossa, que pegaram um carro e ficaram flanando pelas vinícolas da França, eu ouvia aquilo achando tudo tão chique e ao mesmo tempo tão gostoso – e me achando até um pouco menos sofisticada que eles, menos letrada, menos viajada. Ficava só imaginando essas pessoas andando de vinhedo em vinhedo, sentando na mesa da vinícola junto com velhinhos viticultores e conversando em francês e depois chegando de noite e tomando banho de banheira no castelo mais cheiroso e limpo da França. Que delícia maravilhosa, que sonho.
Aí corta para a vida real, em que banho de banheira na verdade é tomar banho com uma mão só (porque a outra está segurando um chuveirinho). Para a vida real, em que o castelo tem cheiro de castelo. Para a vida real em que você, a muito contragosto, percebe que fazer um tour por vinícolas não faz sentido para você porque você e seu marido nem são assim tão fãs de vinho e não curtem a ideia de dirigir depois de uma degustação. Para a vida real em que você aborta logo seus planos de fazer uma caminhada pelos arredores do hotel-castelo porque por onde passa os cachorros começam a latir loucamente e incomodar os donos das propriedades em volta, que saem nas janelas para xingar os cachorros e porque um dos cachorros resolve correr atrás de você. Para a vida real, em que você sobe em um murinho para sentar nele, achando que estava arrasando de lindona, só para sair na foto com uma barriguinha proeminente e uma franja sebosa.
Mas aí você ri e olha para a vida, agradecida. Acho que pra mim, a vida sempre foi esse eterno decidir entre o que fazer com esse vão entre a vida que eu imaginava e a vida real. E eventualmente, decidir fazer o melhor dele.
Porque esse vão pode te transformar em um eterno resmungão ou um eterno deslumbrado. E, pra te falar a verdade, não gosto de nenhum dos dois personagens. Tanto o primeiro quanto o segundo podem ser bem xaropes depois de um dia ou dois. O primeiro, um xarope azedo e o segundo um xarope doce demais e difícil de engolir. O que gosto é do terceiro personagem, um pouquinho salgado, talvez: ele é algo entre os dois, um ser que abraça a vida real e suas realidadinhas engraçadas, mas sem perder o encanto. Sem perder a noção de que sim, é um sonho poder ter passado a manhã escrevendo num castelo, almoçado um pato maravilhoso, andado debaixo desse céu azul do hemisfério norte sem nada pra pensar a não ser nas letras que quero dizer e no meu amor pelo meu marido e pela vida que ainda vem.
Não, pra falar a verdade, não é um sonho. É muito mais legal que um sonho. Porque é real. E o legal da vida real é que ela é assim, real. Com tudo de agradável e de verdadeiro que existe na realidade. 🙂
2 Comments
Ana Maria Figueiredo almeida
Lindo!
Letícia Chevrier
Amadurecimento e suas proezas, nos fazendo “viver” de verdade! 🙂