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E depois?

Jean Solé

E depois que você terminar o livro que te preencheu por 20 anos? E depois que ele sair de você, como uma versão daquela você criança, tímida, forçando acenos pra tentar amizades? E depois que ele sair da sua lista de pendências e da sua lista de sonhos por realizar?

E depois?

E depois você se pega tendo que colocar sua playlist Musicals are better than Prozac no último volume para escrever um desabafo (que você jura que é um pedaço de literatura, não desabafo).

Um pedaço de literatura que é mais ou menos assim:

E depois que a história que acabava com você não acaba mais em você, aquela coisa que você sempre sonhou – “agora sou livro, agora sou livre!” – não acontece.

E esse não é um ensaio a respeito de ilusões editoriais. E-mail de rejeição não é nada. Quando nomes desconhecidos enviam um “não nos interessamos, não se adequa, não é bom, não, não, não” aquilo evapora e voa.

A dor do depois dói mesmo com a ausência de e-mails de nomes conhecidos. A dor do depois dói mesmo quando a história, a sua história de fantasia, a sua fantástica história, a sua sementinha com você todo dentro, não brota.

Quando a história nunca se desenvolve porque fica parada na rotina e nas críticas de sua irmã mais velha, aquela que lia livros de fantasia junto com você, vibrando a cada novo capítulo. E de repente você descobre que sua irmã mais velha talvez fosse a única audiência que você tinha em mente a vida toda enquanto escrevia o livro.

Ou quando a história nem começa, perdida na pilha de livros da amiga especialista em literatura fantástica. Ou vai ver ela leu, não gostou e a polidez foi maior que a coragem?

Ou quando a história nunca chega ao fim (será que chegou pelo menos ao meio? será que chegou a algum lugar?).

Aí a história começa a se encolher, menos divulgada, menos acreditada por você, dona da história, mãe da história, talvez até a própria história.

Aí começa: se calhar, toda essa crítica ao início do livro (é verdade, aquele longo e arrastado início do livro) está certa. Se calhar, melhor seria reescrever todo o início, logo de uma vez. Se calhar, melhor eu recomeçar a minha história de 20 anos. Nessa toada, lá pelos seus 60 anos você começa sua História.

E a história fica encolhida porque é tonta ou porque apesar de ser uma adulta crescida, ela ainda é frágil (e fragilidade tem idade?). Porque sofre de uma timidez que suas primas menos literárias e mais comerciais, aquelas que vão parar no horário nobre da Globo não sofrem.

Ou… por que ela ouve mais o silêncio do que queria ouvir do que o som, o som lindo e novo do que nasceu?

Porque tem o outro lado dessa história.

Tem a história que desemboca na vida de amigos que estudaram com você no colegial (Ensino Médio? Liceu? Não sei mais), que voltam ainda mais legais do que nos tempos do colegial para ajudar com feedbacks maravilhosos. Tem a história que desemboca na prima de segundo grau com quem você nunca teve muito contato, mas mistério dos mistérios, te seguia desde sempre. E que enquanto você choramingava a falta de leitores, escreveu e publicou um livro infantil muito querido.

E essa história de ouvido seletivo fica lá, querendo se enterrar em você novamente.

Sendo que tem tanta história pra viver.

Aí você percebe que está vivendo a síndrome do E depois?

Depois que você chega lá, e depois?

E depois?

E depois talvez eu vá reescrever o início, na mesma porque sou insegura mesmo e daí e tem coisa pra aparar ali.

E depois?

E depois eu vou continuar a minha história.

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casa

21 dias longe de casa, visitando a casa dos pais e o país que chamei de casa por uns 30 anos. Essa coisa de se sentir em casa mas não se sentir em casa mas se sentir em casa e não se sentir em casa e sentir-se casa é especial. É uma coisa meio episódio de Twilight Zone, meio além da imaginação.

Aí cheguei assobiando umas tantas canções de Simon & Garfunkel e com vontade de escrever sobre casa. Sobre casa ser o cheiro que eu escolhi e que ela escolheu junto ao meu guarda roupa, aquela mistura do meu amaciante, do meu sabão de roupa, do meu shampoo, meu sabonete, meu perfume, meus produtos de limpeza, meus, meu, eu. Casa é também minha maquiagem completa, meu guarda roupa completo, sem precisar fazer as contas de quantos vou lavar. Casa é minha geladeira, organizada do meu jeito, sem potinhos misteriosos, com os temperos que eu acredito. Casa é minha hortinha que me esperou na minha vizinha. Casa é meu colchão que pula demais e todas as suas falhas, é aquela gaveta que sempre emperra, aquela fechadura que só a gente sabe abrir e fechar, aquele trinco que tem o tranco certo. Casa são os barulhos da clínica pediátrica aqui na frente, dos passos dos vizinhos, dos horários que já conheço. Casa é minha padaria, minha manicure, minha barraca de feira, as regras que eu conheço no espaço que Deus me deu e que eu ajudei a escolher.

E na viagem eu ganhei uma carteira nova. Que carteira também tem um tanto de casa, né? Os papéizinhos que se guarda (apesar de eu não guardá-los tantos), os louros (eu também não os tenho)… tá, as coisinhas em geral. Na verdade, o que tenho além do básico, na carteira, é uma figurinha, um cromo do Walt Disney com a Sininho. Eu, protestante sem muita reverência a santos (são tantos!), apelidei o meu Walt Disney de “meu santinho”. Coloquei esse santinho na minha carteira uma vez. E ele foi mudando, de carteira em carteira. Nessa última mudança de carteira parei pra olhar pra ele. E percebi o quanto ele está velhinho. Se minhas contas batem, eu carrego esse Disney na minha carteira desde 2003, ano em que eu colecionei o álbum O Mundo Mágico Disney. Era a figurinha número 1. Eu amo álbuns de figurinhas e amo figurinhas número 1. E achei graça. Imagina você, eu carregar o meu santinho irônico há quase 20 anos!

A verdade é que tem nada de irônico nisso, não. Senhor Walt Disney segue me inspirando e essa figurinha ali, ao lado dos meus trocados, sempre me lembra que sonho vale muito.

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