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Coxinha, sopa de batata e a bebê que nasceu ignorando todos os protocolos: um relato de parto feliz – por alguém que odeia relatos de parto

NOTA DE CABEÇALHO: comecei a escrever esse post dia 26 de março e consegui terminá-lo hoje, 11 de abril. Taí um dos quatrocentos mil aprendizados desse negócio de maternidade: o entendimento de que é necessário reaprender a viver. Pois as coisas demoram muito, mas muito mais do que o previsto. Pior (pior?): NÃO EXISTE PREVISTO! 🙂

Nós na maternidade!

A Rebeca nasceu dia 20 de fevereiro de 2018, às 6h14 da manhã. Acho gostoso escrever esse horário, assim, porque é das coisas daquela manhã que mais ficaram tatuadas na minha mente: o médico falando com voz calma um simples “nasceu” numa entonação que em uma palavra dizia “pronto, viu como foi rápido?” e a enfermeira logo em seguida dizendo “seis e catorze”. Lá em cima, um relógio digital vermelho marcava esse horário. Seis e catorze. Foi um momento de paz depois de uma correria maluca. Maluca, engraçada e feliz. Minha filha enrolou 41 semanas para sair de dentro de mim, mas quando o trabalho de parto começou ela não quis enrolar muito não. E perigou nascer no meio do caminho para o centro cirúrgico. Minha maluquinha.

Então foi assim: às seis e catorze do dia vinte de fevereiro minha pequena nasceu, boom, fácil, sem crise, sem drama – sem nada do que todo mundo previu por mim.

POR QUE DECIDI ESCREVER MINHA HISTÓRIA – UM PREÂMBULO TODO CHEIO DE VEJA BENS:

Primeiro, é importante dizer duas coisas:

Dei sorte. Muita sorte. Ganhei na loteria. Meu parto foi fácil, o trabalho de parto durou, se muito, 8 horas, sendo que dor mesmo eu senti durante umas duas horas – e dor extrema uma meia hora (a média desse processo todo para quem vai ter o primeiro filho dizem que é de 12 horas – sendo que tenho amigas que demoraram mais de 24 horas). Então não quero que esse texto sirva para que eu pareça mais especial que outras pessoas que tiveram partos menos maravilhosos. No máximo, fui mais sortuda.

– Eu odeio relatos de parto. Esse nome – “RELATO DE PARTO” – já me irrita. Parece uma forma de transformar em regra, em sigla, em nome técnico uma coisa que poderia simplesmente ser “gente, senta aqui, deixa eu contar como foi a história do nascimento da Rebeca!”. Chamar esse tipo de narrativa com esse nome formal – “RELATO DE PARTO” – é o resumo do que sinto que vem acontecendo com o movimento do parto humanizado: algo que era pra ser simples, bonito, realista e que acabou virando um circo cheio de siglas, novas regras e um romantismo utópico que fica lindo e dramático nas redes sociais. A cada foto de doula extremamente investida em postar foto no instagram de “partos que saíram exatamente como a mãe sonhou” eu penso que isso aí tá muito errado. Porque parto exatamente como a mãe sonhou É MENTIRA. Às vezes ele pode ser pior do que a mãe sonhou… e às vezes melhor! Mas exatamente como sonhou é balela.

Isto dito, vamos para meu PORÉM – e sempre tenho poréns na manga – PORÉM, eu quis escrever o meu “relato de parto” porque acho que a internet precisa dele. Quando eu estava grávida achava interessante ouvir histórias de partos, especialmente de amigas e conhecidas – e também ler algumas coisas na internet para ver as diferentes experiências de cada pessoa. Mas quase nenhuma das histórias que li ou ouvi me passaram mensagens positivas. Todo o resto me passou preocupação, desconforto, medo… ou uma fantasia de controle sem precedentes. As pessoas com quem eu conversava ao vivo sempre terminavam com um desanimador “pode ser que você tenha que fazer cesárea”. E os partos que eu encontrava na internet parece que eram escritos majoritariamente por mulheres cujo sonho da vida era ter parto normal, natural, sem anestesia. Para isso, passaram a gestação inteira pesquisando em detalhes todos os procedimentos que poderiam ser feitos durante o parto, todos os malefícios da anestesia e desenhando o plano de parto ideal, tentando controlar o incontrolável. E adivinha: ou o controle não funcionava e o relato era todo cheio de frustrações – ou o controle TAMBÉM NÃO funcionava, mas o parto parece que foi a coisa mais linda, limpa e plena do mundo. E… vamos combinar, gente. Parto tem mais sangue que filme gore. E cocô.

Enfim, depois de divagar bastante, o resumo é: quero que esse meu “relato de parto” positivo inspire algumas mulheres e mostre que parto pode sim ser bom. Vai ter dor, vai ter sangue e vai ter cocô. Vai ser real. E pode ser bom.

COMO FOI ESCOLHER QUEM ME ACOMPANHARIA NESSE PROCESSO:

Então, em junho de 2017 eu descobri que estava grávida. E minha busca foi por um médico e um hospital que tivessem o meu jeito de pensar: que priorizassem o parto normal – como coisa normal que ele é, e não porque OH MEU DEUS EU PRECISO QUE MINHA FILHA NASÇA DE PARTO NORMAL OU NÃO SEREI MULHER O SUFICIENTE – mas não fosse radical para nenhum dos lados.

Antes de encontrar meu obstetra amado do meu coração, passei por dois extremos: primeiro, fui a um médico que disse, literalmente, que minha bebê tinha um PROBLEMA. O problema era que ela iria nascer no meio do carnaval, e isso era ruim para A AGENDA DELE. Quase pediu para eu marcar uma cesárea na primeira consulta. Além de outros problemas que tive com ele, que pediu exames errados, todo seguindo condutas que não se aplicavam a mim e quase me mataram de desespero quando fiquei com a impressão de que eu tinha perdido a bebê. Médico que está mais preocupado com o pacote pro Rio que comprou pro carnaval e que só sabe seguir condutas robotizadas? Fugi.

Depois, fui a uma médica que enchia a boca a cada vez que falava as palavras “parto humanizado”. Segundo ela, sua intenção era que eu tivesse meu bebê “como nossas avós”. Para isso, bastava eu pagar 15 mil reais para ela (além do plano de saúde, claro) e sua equipe de pessoas incríveis, que inclusive davam WORKSHOPS para eu aprender a parir. Tipo, IGUALZINHO NOSSAS AVÓS. Tratar uma coisa “natural” com todo esse drama? Nada natural pra mim. Fugi também.

Aí uns Googles depois, encontrei o Doutor José Vicente Kosmiskas, que atendia pelo meu plano da Amil – e além de ser uma figura, na primeira consulta me disse a frase que me fez decidir que ele seria o médico que ajudaria a Rebeca nascer: “Atendo desde gestantes que querem ter o bebê com cesárea marcada, unha feita e cabelo escovado até gestantes que querem ter o bebê no meio da sala de casa (nesse caso ele não vai até a casa da pessoa, mas fica de plantão). Afinal, quem está grávida e vai decidir o que quer é a paciente, não eu”. Quase dei um abraço nele naquele momento. ERA ISSO!

O acompanhamento inteiro com o Doutor Vicente de fato seguiu isso: um médico que não seguia condutas de praxe cegamente (ou, em bom português, SEM CAGAÇÃO DE REGRAS), nem ficava me falando o que ia ou não acontecer a cada semana. Com ele, eu era obrigada a viver o presente, sem pensar na próxima semana. A cada “isso é normal, é coisa de grávida, vai piorar, mas vai passar quando a bebê nascer” eu ficava louca, mas ao mesmo tempo ficava super feliz e tranquilizada. E sim, tudo piorou e sim, tudo passou quando a bebê nasceu. 🙂 Mais um adendo positivo sobre o Dr. Vicente: ele não cobrou ABSOLUTAMENTE NADA extra para fazer o parto, uma atitude que deveria ser normal, mas é tão rara em médicos de convênio (a maioria costuma cobrar pelo menos uns 4 mil reais como “taxa de disponibilidade”) que vale deixar registrado aqui. Ele é médico do São Luiz do Itaim Bibi, aqui em São Paulo  que, graças a Deus, meu plano cobria e seguia tudo o que eu queria para um parto, o mais humanizado possível dentro de um hospital, com a equipe explicando e perguntando sempre antes de fazer qualquer procedimento.

Se eu puder dar uma dica nesse rolê todo é: se tiver a oportunidade, procure médicos e hospitais/clínicas que combinam com seu jeito de pensar. Aí já é 90% do caminho andado.

A ESPERA:

A espera é treta. Passei a gravidez saudável, mas incomodada com as dores e enjoos… e, pior, a E X P E C T A T I V A. Tudo o que eu queria era que a gravidez acabasse logo (eu achei muito chato estar grávida). Já na semana 37, que é a semana em que a bebê já está madura o suficiente para nascer sem ser prematura, eu deixei as malas para a maternidade prontas, falei pra minha mãe vir em casa e entrei em alerta. Vivia para notar se aparecia alguma contração. Afinal, “poderia ser a qualquer momento agora”.

E adivinha? Nunca era. A semana 37 se passou. E a semana 38. E chegou a semana 39, que foi a semana gestacional em que os dois filhos da minha irmã nasceram, então eu tinha certeza que a Rebeca nasceria também! E… nada de Rebeca. E chegou a semana 40, com a tal “data prevista para o parto”, que era dia 11 de fevereiro. Aí a família já tava fazendo bolão, os amigos mandando mensagens cheias dos “e aí???”… e aí absolutamente nada. E eu limpava a casa, e andava (confesso que pouco, porque tinha muitas dores) e comia gengibre e tentava todas as técnicas para induzir o parto. Mas nada acontecia. E foi aí que foi ficando cada vez mais claro o quanto as coisas não são assim tão certinhas quanto a gente prevê ou espera.

Quando virou a semana 40, meu médico me perguntou o que eu queria fazer. Muita gente desiste e decide fazer uma cesárea pra resolver o problema logo nessa altura.  E entendo, porque começa a ficar muito cansativo. Naquela altura, as roupinhas da nenê já tinham sido lavadas há tanto tempo que eu estava quase pensando em lavar de novo!

Vale dizer que é praxe os médicos esperarem até no máximo 41 semanas e 6 dias – e caso o bebê não decida nascer sozinho, é necessário induzir o parto. Eu não queria induzir o parto por duas razões bem bestas e nenhuma delas era muito naturalista, não: uma, simplesmente porque ouvia histórias de horror sobre indução (OBRIGADA, RELATOS DE PARTO SUPERABUNDANTES NA INTERNET!!!). E a outra… a outra é uma confissão: verdade é que quanto mais real a possibilidade de parir, mais medo eu tinha da hora chegar. No fundo, no fundo, pra mim era melhor que a nenê continuasse lá dentro. Apesar do meu tamanho, apesar do cansaço. Assim, decidi esperar a bebê resolver sair sozinha.

Passadas 40 semanas, meu médico me orientou a começar a ir no hospital dia sim, dia não para acompanhar a situação do bebê. E virou rotina. Dia sim, dia não, eu e o Julio pegávamos o carro, com as malas dentro, rumávamos para o São Luiz e íamos ver como a Rebeca estava. Virou até um programinha. A gente ia, fazia os exames, via que ela estava bem, passava no berçário, ficava babando nos bebês alheios, tomava um café e voltava pra casa. Com cara de alface, falando para minha mãe e respondendo os whatsapps das amigas ansiosas. “Ainda nada”.

Chegou a semana 41 e finalmente eu comecei a subir pelas paredes. Comecei a mandar mensagem para todas as amigas que já tinham passado pela gravidez, comecei a achar que a fase da gravidez NUNCA IA ACABAR, que eu estava num episódio de Twilight Zone e que eu nunca iria ter a minha bebê, que ficaria grávida para sempre! No domingo à noite (dia 18 de fevereiro, uma semana depois da data prevista do parto) eu chorei copiosamente. Estava completamente cansada. Pensem vocês que eu sou a senhora-planilha. Minha bebê atrasar a entrega assim era o fim da picada! Mas o mais cansativo mesmo era o tal do “é a qualquer hora agora”. Eu tinha todo o plano já esquematizado na minha cabeça. Eu tinha anotado no meu celular o seguinte esquema:

“Contrações começaram? Esperar 1 hora para ver se estão ritmadas. Ligar para a Catarine (Catarine é minha prima enfermeira obstetra que eu queria que ficasse comigo em casa enquanto eu esperaria as contrações firmarem até a hora de ir para o hospital). Após 3 horas, ligar para o médico. Após 6 horas ir para o hospital. 6 horas depois da entrada no hospital a bebê vai nascer.”

Eu sabia, no fundo, que não seria EXATAMENTE assim. Mas a louca do controle precisava ter algo para se basear. E eu andava com esses horarinhos anotados na cabeça. FORAM TRÊS SEMANAS acordando e indo dormir olhando para o relógio, fazendo as contas e pensando “bom, se as dores começarem agora, até as tal horas a bebê vai nascer”. Eu fingia que não, que estava de boas. Mas por dentro eu estava repassando esse “cronograma” de hora em hora na cabeça. Fora que quase não saía de casa, afinal, “vai que a bolsa estourasse”.

Daí que o grande problema, pra mim, era o medo do imprevisível: quando eu começaria a sentir as dores? Eu estaria onde, fazendo o quê? Como elas seriam? Quando eu deveria ir para o hospital? Afinal eu não queria chegar muito cedo e perigar ficar 20 horas peregrinando no hospital até a bebê nascer.

Até que veio o grande desprotocolo que foi o nascimento da Rebeca, que riu desses meus medos e dessas anotações no meu celular. E nasceu assim:

O DIA EM QUE ELA TEVE QUE NASCER

Quando virou a semana 41, minha decisão, sempre planilhada e meio medrosa, era esperar chegar a quinta feira, dia de consulta com meu médico, para decidir alguma coisa. Caso ela não nascesse até lá, faria o que ele me recomendasse. Deus me livre decidir algo antes disso, vai que ela nasce (haha). Mas aí A VIDA. Chegou segunda feira. Mais um dia em que acordei sem contração, sem nada. E lá fui eu, bela e formosa (e desolada e cansada e ansiosa) para mais uma das visitas de rotina no hospital. Até me despedi dos meus pais (que estavam em casa) falando um irônico “bom, até daqui a pouco”.

Chegando no hospital às 16h, junto com o Julio, fomos para a via-sacra de sempre: tococardiograma – um exame em que você ouve o coração do bebê pra ver se ele está bem. Ela estava bem. Depois, mais um ultrassom. Vinha sendo sempre assim: eu fazia esses dois exames, depois a rotina era sentar junto com o Julio na sala de espera, ver o médico de plantão ligar para o meu médico e esperar ouvir o tradicional “ok, liberada”. Aí eu tomava um café e ia embora pra casa.

Só que daquela vez foi diferente. Quem foi até a sala de espera foi a médica, que, em vez de me liberar, disse a frase que marcou a mudança da minha vida: “seu médico quer falar com você”. Ela me passou o telefone. Foi quando o doutor Vicente me disse que, segundo o informaram, o ultrassom mostrava que o líquido (acho que o amniótico, mas não fui das grávidas que decorou todos os nomes técnicos, como você deve ter reparado) estava reduzindo. Na opinião dele, o ideal seria tentar induzir o parto. E ele queria saber o que eu queria fazer. Eu, literalmente, tremi. MAS COMO ASSIM VAI SER AGORA AIMEUDEUS FORAM SÓ 41 SEMANAS DE ESPERA EU NÃO ESTOU PRONTA. Minha resposta, a mais imbecil e mais real do mundo foi: “mas eu tenho que responder agora?”. Sim, eu tive. Toda a procrastinação, minha e da bebê, deveria acabar lá, naquela ligação. Eu até poderia ter decidido responder que não ia induzir, que ia tentar esperar mais um pouco… mas naquele momento, toda a minha noite anterior chorando e me sentindo em um episódio de Twilight Zone voltou à minha cabeça. Perguntei para o Julio o que ele achava. Perguntei para o meu médico o que era, de fato, induzir. Ele me explicou e deixou claro que a partir do momento em que eu topasse fazer a indução, eu daria entrada na internação e só sairia do hospital com minha bebê no colo. Eu gelei. Eu topei.

Voltei com as pernas bambas para a sala de espera, sem saber que eu tinha topado a melhor decisão da minha vida. Assim que a adrenalina passou, entrei no modo empolgação e no “modo aeroporto”. Explicando: “modo aeroporto” é o modo em que eu entro quando tenho que encarar uma viagem longa de avião. Isso porque acho um saco viajar de avião, sei que tenho que passar por quatrocentos procedimentos chatos e várias horas de canseira em um lugar desconfortável. Mas aí entro no “modo aeroporto”, que é simplesmente encarar todos os procedimentos e confiar na capacidade alheia, sabendo que chegarei do outro lado cansada, suja, zoada… mas provavelmente sã, salva e muito feliz. E devo dizer: o meu modo aeroporto caiu como uma luva nessa situação do parto.

A primeira coisa que fiz? Subi até o café e comi uma coxinha. Explico: eu tinha dois grandes medos muito práticos nesse negócio de parto. Um era passar fome. O outro era ficar muitas horas sem tomar banho. Sim, são duas coisas que acabam comigo. Daí a escolha pela coxinha. Em seguida, desci e esperei calmamente (e até empolgada) o Julio dar a entrada na documentação para a internação. Quando eu recebi um saquinho para guardar minha aliança e meus brincos e peguei a documentação assinada, calma, tranquila, sem dores e serena eu fiquei extremamente feliz. Porque durante toda a gravidez imaginei esse processo da entrada no hospital acontecendo às pressas, em meio a muitas dores. E lá estava eu, de boas, assinando minha internação.

Na recepção, assinando os papéis da internação.

Mesmo o medo da indução passou assim que eu me dei conta que estava em um hospital excelente, com uma equipe que não me forçaria a fazer nada do que eu não quisesse. E no meu modo aeroporto, me forcei a estar pronta para imprevistos. E, claro para SENTIR DOR. Fato é que nessas horas, o que conta é a gente. Enquanto esperava a entrada na internação, caí na besteira de ligar para minha irmã, que ficou super preocupada e me recomendou que eu escolhesse ir para a cesárea direto, porque “indução era complicadíssimo e provavelmente eu teria que fazer uma cesárea, de qualquer maneira”. Vai vendo. Por sorte e por intuição segui em frente com o que me parecia o melhor.

COMO FOI ESSA TAL DE INDUÇÃO?

Depois de comer a coxinha, assinar a internação e de eu passar por uns exames prévios, eu e o Julio fomos instalados em um quarto gostosinho, que parecia quarto de hotel, onde rolou o procedimento da indução. Nele, esperaríamos até que eu estivesse com uns 7 centímetros de dilatação. E aí, depois dessa etapa, eu iria para a sala de parto em si – e desde o início eu insistia que queria ir para a sala mais humanizada do hospital, toda chiquetosa, com bola de pilates, banheira, aromaterapia e luzinhas no teto. Aliás, uma das grandes preocupações minhas era que essa sala não estivesse vaga quando chegasse a minha hora de parir. Ah, tolinha.

Como era de se imaginar, antes de mais nada, as duas coisas que perguntei à enfermeira foram: posso comer? (afinal, coxinha não é janta, não é mesmo, minha gente?) e posso tomar banho? Sim e sim. Boas notícias! De banho tomado, sou outra pessoa. E alimentada, então, vixi! Ouvi histórias de gente que é colocada em jejum assim que se interna, e isso para mim seria o fim do mundo. Aí tomei banho e coloquei meu pijama (aquele que estava esperando há umas 3 semanas na mala), enquanto a enfermeira pedia meu jantar. Me senti chique comendo uma sopa de batata sem a menor graça, mas com o sabor da última refeição que eu faria antes de ter a Rebeca do meu lado.

O quarto!
A sopa de batata!

Banho tomado e jantada, hora de colocar o comprimido lá embaixo (óbvio, não sei dizer o nome do comprimido que colocaram). A enfermeira foi uma fofa, me ensinando um monte de exercícios e truques respiratórios para amenizar as dores quando elas viessem. E ela foi bem clara: o remédio poderia demorar até 24 horas para pegar. Ela voltaria de tempos em tempos para ver como eu estava e de 6 em 6 horas ela reaplicaria o remédio, se fosse necessário. Eram 22h30 da segunda feira, dia 19. No meu modo-aeroporto, respirei fundo e me preparei psicologicamente: pode ser que eu fique aqui, com dores, até às 22h30 de amanhã. Tô com meu livro? Tô com sopa de batata na barriga? Tenho TV? Tenho instagram? Acima de tudo, tenho uma cama confortável e marido do lado? Vamos nessa. Rumo a 24 horas de perrengue.

E aí foi só esperar as dores. Quando digo que indução foi a melhor coisa que me aconteceu falo sério. Porque metade do meu estresse tinha a ver com “como seria essa fase das contrações”, quem estaria comigo, quando eu iria para o hospital, como seria andar os 30 ou 40 minutos de carro até o hospital com dores e todos os medos que acompanham esses pontos de interrogação. Tendo que fazer a indução, a resposta para todas essas dúvidas era: vai ser agora, é só esperar, você está num hospital com uma equipe pronta para atender qualquer problema. Fiquei de boas lendo um livro, vendo o celular e assistindo às Olimpíadas de Inverno. A partir da meia noite, as dores começaram a aparecer, pouco a pouco, ritmadas. Na hora combinada, a enfermeira voltou para ver como andava minha aderência ao remédio e SURPRESA: ele tinha pegado de primeira! Umas 3 horas da manhã eu já estava com uns 5 centímetros de dilatação. Não precisou aplicar uma segunda vez. Agora era só esperar e orar (o que eu fiz bastante nesse processo, inclusive) para que tudo progredisse bem.

Fiquei animada, mas evitei me empolgar com grandes expectativas. Afinal, são muitos os casos que já ouvi de quem estaciona em 5 cm de dilatação e o negócio não evolui. Mas as dores cada vez mais fortes diziam o contrário. Quando a dor estava num ponto em que eu não conseguia mais focar no livro, decidi acordar o Julio (que dormia como um anjinho na cama ao lado) e chamar ele para dar uma volta pelo hospital pra eu me distrair das dores. Entre uma contração e outra, passeamos pelo corredor do andar, vendo os enfeites de porta e os nomes dos bebês que formariam a geração da Rebeca. Nisso, decidi tomar uma ducha quente, porque a dor tava começando a apertar. Deviam ser quase umas 5 horas da manhã. E a partir daí, o negócio foi louco.

A BEBÊ QUE IGNOROU OS PROTOCOLOS

A ducha começou aliviando, mas alguns minutos depois o efeito dela não pegou mais. Eu voltei para a cama, porque estava começando a ficar muito desassossegada e a vontade era de sair correndo, mudar de posição a cada segundo, saracotear. Como tinha medido a dilatação não fazia muito tempo (e provavelmente não contava que a evolução seria tão rápida), a enfermeira voltou para o quarto e insistiu comigo: uma duchinha de 10 minutos não ia funcionar. Ela falou que eu tinha que tomar uns 40 minutos de ducha, falou para eu ligar uma musiquinha e pediu para levarem meu café da manhã para o quarto.

Achando que todos estavam loucos, mas disposta a colaborar, liguei uma música clássica no primeiro aplicativo que achei e entrei na ducha novamente. Tudo que posso dizer é que o café da manhã nunca chegou. Ao som de alguma música clássica muito pesada (não lembro qual era, mas era tipo Cavalgada das Valquírias, imagine a cena), eu tentava relaxar na ducha. Pobre de mim. Alguns minutos de ducha e eu saí correndo para a privada com uma vontade louca de FAZER FORÇA. Sim, fui dessas loucas que confundem parto com cocô. Foi ali, pelada, sentada no vaso, (como podem ver, no auge da plenitude e poesia), que me liguei que tinha alguma coisa muito errada (ou muito certa) acontecendo. Nessas horas valeu ter lido bastante sobre o processo inteiro do parto, porque entendi que essa hora de sentir vontade de fazer força deveria acontecer no final do trabalho de parto… e se aquilo fosse verdade, eu não deveria estar ali. Assim, antes que minha bebê nascesse na privada, falei para o Julio correr para avisar a enfermeira que algo diferente estava acontecendo. Foi naqueles minutos que levaram pra enfermeira aparecer que eu lembro de dizer pro Julio que eu não ia dar conta. Naquele momento a dor estava realmente forte – e eu ainda nem estava na tal sala chiquetosa do parto humanizado. Eu já estava achando que aquela dor ia durar horas e horas – e eu não via como seria possível aguentar aquilo.

E aí eu descobri que aquela dor não ia durar horas e horas… porque a bebê estava quase nascendo! Depois de a enfermeira conseguir me fazer deitar para medir a dilatação, a coisa foi muito louca. Eu entrei em algum happy-place na minha cabeça, virei uma Francine em estado primitivo, focada em resolver um problema, que se resumia a apenas uma necessidade na minha vida: FAZER FORÇA. E eu fiz força no corredor e fiz força no elevador e fui fazendo força em todo o trajeto (que foi feito com a equipe empurrando a maca, literalmente, CORRENDO). Enquanto isso acontecia, eu só lembro de frases que ia escutando. E é assim que vou continuar esse relato, descrevendo o que eu ouvia ao meu redor.

—-

ENFERMEIRA [ao terminar o exame de toque, com voz um pouco mais tensa do que seria o esperado]: Sua dilatação já está em 8 centímetros! Na verdade… 8 pra 9. Bem… você (se dirigindo ao Julio) vai para a sala colocar a roupa para acompanhar o parto. Agora.

JULIO: Vou de pijama mesmo? Ou posso trocar pelo menos a bermuda?

ENFERMEIRA: Se você trocar a bermuda você pode perder o nascimento da sua filha. Alguém traz uma maca?

ALGUÉM COMPLETAMENTE DESAVISADO, COM UMA CADEIRA DE RODAS: Oi, eu vim preparar a gestante para…

ENFERMEIRA: É UMA MACA QUE EU PRECISO. NÃO VAI DAR PARA IR DE CADEIRA!

JULIO: Fran, olha, me disseram que é pra você vestir isso aqui…

EU: Aaaaghhhhhgmmmmmff

ENFERMEIRA: Põe de qualquer jeito, vamos!

OUTRA PESSOA: Mas não é melhor antes trocar o lençol? Andar no corredor com todo esse sangue…

ENFERMEIRA: VAMOS EMBORA!

[DE ALGUMA MANEIRA MÁGICA EU CONSIGO ME TELEPORTAR DA CAMA E IR PARA A MACA. E FOI A SENSAÇÃO DE GIRAR E GIRAR E GIRAR E EU DISSE BERENICE, SEGURA, NÓS VAMOS BATER. (sério, a sensação de ver o teto correndo deitada numa maca em alta velocidade pelo hospital é muito divertida).]

E, NO TRAJETO:

PESSOAS: Oh não! (eu sei que ninguém diz oh não na vida real, mas é licença poética) Vai nascer no elevador!

ENFERMEIRA: Para de fazer força! Para de fazer força!

EU: [fazendo força]

CORTA PARA A ENTRADA DA SALA DE PARTO:

PESSOA SEM ROSTO: Vamos trocar ela de maca?

ENFERMEIRA: Não, não dá tempo, vai nascer no corredor!

E AÍ EU SEI LÁ SE TROQUEI DE MACA OU NÃO, MAS DEVO TER ENTRADO NA SALA E AS VOZES CONTINUAVAM:

VOZ DO ALÉM: Vixi, menina. Duas forcinhas, já nasce.

TODO MUNDO: Cadê o médico dela? Alguém ligou pro Doutor Vicente?

TODO MUNDO: Chama um plantonista, gente, não vai dar tempo.

OUTRO ALGUÉM COMPLETAMENTE DESAVISADO: Oi, você vai querer anestesia?… Ela vai querer anestesia?

EU: ????????!!!!!!!!!!

TODO MUNDO: Não vai dar tempo de anestesia. ONDE ESTÁ O MÉDICO?

UMA VOZ, CLARAMENTE FINGINDO TRANQUILIDADE: Alô… oi, tudo bem? O doutor Vicente já chegou?… [para todos]: Ele está se trocando, gente.

– SILÊNCIO TENSO –

VOZ DO ALÉM: 

TODO MUNDO: 

EU: 

JULIO:

DOUTOR VICENTE [na maior tranquilidade do mundo, distribuindo beijinhos]: Oi gente, bom dia, tudo bom? Oi Fran! Ah, a Fran não sabe nem quem ela é agora, já já te cumprimento direito, Fran. [olha para o lugar de onde Rebeca sairia (a rainha dos eufemismos, né?)]: Fulana, já chama o pediatra.

EU: Agggggggggggghhhhhhmmmpf

DOUTOR VICENTE: Fran. Fran! Abre o olho. Olha pra mim.

EU: …………… O_O

DOUTOR VICENTE: Na próxima contração, você puxa suas pernas assim: \-o-/

VOCÊ: AI FRANCINE QUE NOJO, PRA QUE SER TÃO GRÁFICA????????

(Desculpe, cara pessoa que me lê. Mas é um relato de parto, você esperava o quê? POESIA?)

PRÓXIMA CONTRAÇÃO: oi

EU: Agggggggggggghhhhhhmmmpf

TODO MUNDO: Vai!

 

—-

E foi. E foi assim. A próxima – e última – dor veio. E eu senti vontade de fazer a maior força da minha vida (só lembro de pensar NÃO IMPORTA O QUE SAIR AQUI, PODE SAIR ATÉ MEU RIM, MAS ESSA NENÊ VAI SAIR). E saiu. De uma vez só. Sem aquele momento de filme, sabe? Do “já estou vendo a cabecinha, empurra mais um pouco!”. Nada. Rebeca saiu de uma vez só. Zás trás. E então…

E aí voltamos para o início do post, com o “nasceu” e o “6h14”. As duas frases mais gostosas de ouvir da minha vida. Lembro também da dor sumindo instantaneamente, do quentinho que foi sentir a minha filha no colo e do meu médico brincando comigo, perguntando se aquele era o parto do meu quarto filho, de tão fácil que foi. Segundo ele, foi mais difícil me convencer a dar entrada no hospital do que fazer o meu parto. E toda a equipe de enfermagem ficou comentando o quão fácil tinha sido.

Foi fácil? Eu não sei, só sei que foi assim. Claro, tem uma série de procedimentozinhos depois, liberar a placenta, tomar uns pontos porque as coisas realmente são intensas e blá. O pós-parto é uma mistura de loucuras e muito choro. Mas o parto, o nascimento em si… foi assim.

E quando eu estava plena (estava PLENA DE ADRENALINA, chapadona) com minha bebê no meu peito, toda ensanguentadinha e fofinha, senti mais um quentinho surgindo em cima de mim. E descubro que, como gratidão por nascer, minha filha tinha feito cocô em mim. <3

Depois que tudo passou, quando ficamos na sala um tempo só nós três (eu, Julio e nenê), olhei em volta, finalmente. E descobri que no fim das contas eu acabei tendo minha filha na tal sala de parto humanizado, chiquetosa. A banheira e a bola de pilates estavam lá, me esperando. E não serviram para nada. 😀 Minha prima, a que ia me acompanhar em casa durante as contrações? Ficou sabendo que a bebê nasceu via whatsapp. Todos os planos e medos? Também não serviram para nada!

Enfeite de porta feito pelo papai e pela vovó <3

E onde eu quero chegar com isso tudo?

Minha mãe teve a primeira filha com a ajuda de fórceps. Teve depressão pós parto. Foi um processo complicado. Minha irmã se safou da depressão, mas também precisou da ajuda de fórceps no nascimento da primeira filha. Com razão, as duas morriam de medo do meu parto – e no fundo, no fundo, eu esperava que algo parecido acontecesse. Seria muita sorte minha mãe e minha irmã precisarem de fórceps no primeiro bebê e eu não. Por que eu me safaria? Não sei. Mas me safei.

O que aconteceu foi quase que o oposto de tudo o que eu esperava. A Rebeca demorou mais semanas do que eu queria para nascer… e demorou muito menos horas do que eu esperava para nascer. Ela não ligou para os protocolos do hospital, não se importava em nascer na sala chique do parto humanizado ou no corredor. Ela não esperou chegar meu café da manhã. Ela simplesmente veio. Quantas vezes durante a gravidez me peguei desconfiada porque meu médico disse que não gostava de fazer plano de parto. Quantas vezes discuti com amigas se “o certo” seria pedir anestesia ou não… só pra na hora nem ter a opção de pensar nisso, porque foi essa doideira linda toda. Minha nenê que não segue protocolos não se importava com nada disso.

E foi isso que a Rebeca me ensinou até agora: a vida não segue protocolos. A vida encontra um meio. E se a gente deixar é geralmente o melhor meio possível.

Nossa primeira selfie, quando recebemos alta.
Saindo do hospital!
indo pra casa, rumo à vida!

O POST PODERIA ACABAR ASSIM, MAS VOU SER SINCERA:

Pra falar a verdade, adoraria dizer que ela me ensinou isso e que agora sou imune a tentativas de controle e viverei minha vida muito mais iluminada e livre! Mas qual nada. A luta para sobreviver a essas primeiras 7 semanas de bebê imprevisível em casa está me ensinando que a luta não tem fim. Que eu amo controle, amo padrões e fico louca sem eles.

Mas a gente tenta aprender sempre.  E assim vamos, sobrevivendo e reaprendendo a viver. 🙂

Quase 1 mês depois, no retorno ao médico!

NOTA DE RODAPÉ: Meu livro começou a ser escrito num dia 19 de fevereiro. Minha filha nasceu dia 20 de fevereiro (sendo que dei entrada no hospital no dia 19 de fevereiro). Não é mágico????

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